sábado, 9 de outubro de 2010

Desigualdade no Brasil


de Ricardo Paes de
Barros (texto adaptado para leitura pública)
 

O BRASIL NÃO É UM PAÍS POBRE. Para se ter
uma idéia, de cada quatro habitantes do nosso planeta,
três vivem em países mais pobres que o Brasil.
Se a renda que existe hoje em nosso país fosse
igualmente dividida, todas as famílias teriam três vezes
mais o que precisam para satisfazer suas necessidades
básicas, como se alimentar, se vestir etc. Ou seja,
ninguém no Brasil seria pobre.
Apesar de nosso país ser rico, de cada três
famílias brasileiras ao menos uma é pobre. Por quê?
A razão está na grande desigualdade que divide
nossa sociedade. Enquanto alguns vivem com muito,
outros têm bem pouco. De fato, o que os mais ricos
gastam durante um fim de semana é igual ao que mais
pobres gastam para se alimentar durante todo o ano.
Isso faz com que o Brasil esteja situado entre os
campeões mundiais da desigualdade: de uma lista de
quase 200 países membros da Organização das Nações
Unidas (ONU), menos de 10 têm um grau de
desigualdade tão alto quanto o do Brasil.
Vejamos os números de nosso país.
Vamos acompanhar e comparar o que acontece
tipicamente com duas crianças brasileiras igualmente
talentosas.
Uma delas é uma menina negra, nascida no
interior do Nordeste em uma família pobre e cujos pais
são analfabetos.
A outra é um menino branco, nascido numa
próspera cidade da região Sul, de uma família rica, e
cujos pais foram à universidade
Embora essas duas crianças tenham o mesmo
potencial, apenas uma delas terá as oportunidades e
condições para desenvolvê-lo plenamente. Qual delas
você acha que será a ‘escolhida’? Aos 15 anos, as
diferenças entre essas duas crianças já são marcantes.
A menina negra nordestina de família pobre
ainda estará frequentando a 4ª série de uma precária
escola pública rural, pois ela entrou tarde na escola e
repetiu de série pelo menos uma vez.
Enquanto isso, o menino branco sulista e de
família rica já completou a 8ª série numa boa escola e
agora freqüenta a 1ª série do ensino médio numa
excelente escola particular.
Aos 18 anos, a menina já é mãe e tem que
trabalhar em casa e fora de casa para sustentar sua
família.
Enquanto isso, o menino acaba de entrar numa
boa universidade pública. Sua família lhe garante plenas
condições para que possa dedicar-se aos estudos em
tempo integral e com todo o material (livros, cadernos,
computador) que necessita para aproveitar ao máximo o
aprendizado.
Aos 25 anos, o menino já terminou a
universidade e começa a trabalhar em um excelente
emprego onde recebe um salário inicial superior a
R$2.000 por mês.
Enquanto isso, a menina permanece em um
trabalho precário e recebe R$50 por mês.
Aos 40 anos, a menina já tem três filhos. Ela
pode ter parado de trabalhar para cuidar dos filhos. Seu
marido é um trabalhador do campo, que teve que sair da
escola na 4a série e recebe só R$150 por mês
Nesse momento, o menino estará casado, terá
um filho e sua esposa terá também ido à universidade.
Ele deverá receber cerca de R$3.000, e sua esposa,
R$ 1.500 por mês.
Assim, aos 40 anos, a menina e o menino que
tinham o mesmo talento e potencial quando nasceram,
agora vivem em mundos totalmente diferentes.
O menino cresceu e agora é chefe de uma
família que vive com R$4.500 por mês e tem apenas três
pessoas (ele, sua esposa e filho). Enquanto isso, a
menina vive em uma família que só pode contar com
R$250 por mês para atender a todas necessidades de
seus cinco membros (ela, seu marido e três filhos).
A desigualdade brasileira foi gerada. O que o
menino gasta com sua família em um fim de
semana dá para cobrir todas as despesas
que a família da menina tem em um mês.
Essa elevada desigualdade não foi gerada
por diferenças de talento entre as crianças. Ela foi
gerada por diferenças na atenção e no tratamento
que elas receberam. Foi gerada por gigantescas
diferenças nas oportunidades oferecidas e também
nas condições dadas a essas crianças para que
elas pudessem aproveitar as oportunidades
disponíveis.
De forma resumida: o menino – por ser
branco, vir de família rica e ter nascido em uma
área próspera – teve todas as oportunidades e
condições de que precisou para desenvolver e
aproveitar seus talentos. Ao contrário, grande parte
dos talentos da menina não foram explorados e
desenvolvidos – uma perda irreparável para ela,
sua família e a sociedade brasileira.
Se há recursos, então qual o problema? O
problema é que nossa política social simplesmente
não dá às crianças e jovens pobres a atenção que
eles merecem.
Nem todas as sociedades são como a
brasileira. Em algumas, as crianças são
superprotegidas e têm acesso a tudo de que
necessitam para desenvolver seus talentos e
potencial.
Um amigo meu, José Marcio Camargo, uma vez me
contou uma história sobre a Costa Rica, um país da
América Central pequeno e ecologicamente rico.
Pelo que me lembro da história, ele caminhava pela
capital, São José, e, sabendo que o país era
relativamente rico, estava perplexo pela ausência
de grandes obras, edifícios altos e modernos e
fantásticos monumentos.
Decidiu, então, arriscar uma pergunta.
Dirigiu-se ao representante do governo que o
acompanhava e questionou: Onde está toda a
riqueza?
O representante não hesitou. Apontou para um
grupo de crianças que saíam da escola e
simplesmente disse:
Aí está nossa riqueza.
Quando será que poderemos dizer o mesmo?
Quando pudermos, tenho certeza de que nosso
problema de desigualdade estará definitivamente
resolvido.

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