terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sobre o texto “Avaliação da aprendizagem: para além do autoritarismo”



Recebi um pedido de esclarecimento sobre a frase — “Na prática pedagógica, a transformação da função da avaliação de diagnóstica em classificatória foi péssima” — que se encontra em meu artigo “Avaliação da aprendizagem escolar: para além do autoritarismo”, publicado em 1985.
Respondi. De fato essa expressão — “Na prática pedagógica, a transformação da função da avaliação de diagnóstica em classificatória foi péssima” — não faz muito sentido. Esse texto foi escrito em 1985, há vinte e cinco anos passados. Naquele momento, eu estava dando uma virada nos diálogos sobre avaliação da aprendizagem. Esse texto foi um marco na teoria sobre avaliação da aprendizagem no Brasil. Por isso, o apuro conceitual ainda não estava suficientemente amadurecido, o que conduziu a uma expressão como essa. Certamente inadequada.
De fato, no Brasil, sempre tivemos uma atividade classificatória em relação aos estudantes individual ou coletivamente em suas turmas. Nascemos sob a égide da modernidade e a educação jesuítica — que estabeleceu essa forma de ranking — é do século XVI, e veio para cá junto com a chegada dos portugueses a essa terra, que, juntamente com negros e índios, somado aos variados povos migrantes, produziram a configuração social que temos hoje. A nossa educação formal é tingida pela educação constituída na modernidade.
A educação escolar moderna emergiu sob a égide da classificação. A compreensão da avaliação como diagnóstico e, se necessário, a intervenção, é de 1930 para cada. Foi Ralph Tyler que, em 1930, nos USA, cunhou o termo avaliação da aprendizagem, tendo em vista designar a sua proposta de ensinar, diagnosticar e, se necessário, corrigir. No Brasil, começamos a atinar com esse conceito só a partir de 1970, aproximadamente. E ainda não conseguimos — como pais — assimilá-lo em nossas práticas diárias.
Hoje, entendo que temos dois tipos de avaliação: de produto [certificação --- por exemplo, a certificação ISO para empresas e empreendimentos, a certificação profissional (médicos, advogados...], entre outras; afinal a certificação da qualidade de alguma coisa já concluída; de acompanhamento (investigação — diagnóstico — dos resultados enquanto estão sendo produzidos, tendo em vista sua correção, caso necessário — acompanhamento). 
A classificação depende da decisão de estabelecer um ranking, que, por si, não pertence à avaliação. É uma decisão externa às práticas avaliativas. Por exemplo, as diversas práticas avaliativas sistêmicas do país — Prova Brasil, Enem, SINAES — não têm nenhuma necessidade de estabelecer rankings, mas infelizmente estabelecem, cujo efeito, a meu ver, é negativo, do ponto de vista social e cultural. Bastaria saber que determinada escola, estado, município está tendo um desempenho satisfatório ou insatisfatório na educação. Bastaria isso e, a partir daí, tomar as decisões necessárias. O ranking (classificação) serve exclusivamente para a concorrência social. O mesmo se dá na sala de aulas.
Acredito que, na época da escrita desse texto, o que eu desejava expressar com a frase — citada por você — era a distorção que vim a perceber mais tarde de que a educação no Brasil mudou o nome de “exames escolares” para “avaliação da aprendizagem”, mas não mudou a prática, ou seja, passamos a usar uma expressão “diagnóstica”, mas permanecemos com uma prática “classificatória”; daí a expressão — a transformação da função da avaliação de diagnóstica em classificatória.
Fico por cá, esperando ter ajudado a compreender o que me fora solicitado.

Cipriano Luckesi

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