sexta-feira, 4 de março de 2011

EDUCAÇÃO DE QUALIDADE - Onde todo mundo quer ser professor



Daniela Lessa

Reconhecida mundialmente pelo seu ensino de qualidade, a Finlândia conquistou a maior pontuação no Programa Internacional de Avaliação de Alunos de 2006 – ou Programme for International Student Assessment (Pisa) – que avalia o desempenho dos sistemas educacionais de 66 países. Mas, qual o segredo do sucesso do ensino finlandês? Por que sua taxa de repetição de ano é de apenas 2% dos estudantes? Investir nos alunos mais fracos e na excelência dos professores são algumas das repostas. É o que explica o professor Jouni Välijärvi, diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais da Universidade de Jyväskylä, na Finlândia. Nesta entrevista à Profissão Mestre, realizada recentemente durante o Seminário de Educação para a Cidadania, promovido pela Fundação SM, em São Paulo (SP), ele afirma que, apesar dos professores não terem os melhores salários do país, a faculdade de Pedagogia é uma das mais populares. Välijärvi também foi o responsável pela implantação do Pisa na Finlândia, tem artigos de repercussão internacional e desenvolve pesquisas nas áreas de sistemas de educação e currículo escolar, formação de professores e bem-estar dos estudantes.

Profissão Mestre – Como é o investimento em educação na Finlândia? É todo público?

Jouni Välijärvi - Sim e está na média dos países industrializados. Não temos um investimento muito alto, embora seja mais intenso na escola secundária, na idade (de alunos) entre 12 e 15 anos. Hoje, apenas 1,5% dos estudantes estão em colégios particulares. É importante destacar, porém, que mesmo estas escolas são financiadas com dinheiro público e não têm permissão legal para cobrar qualquer taxa dos pais dos alunos. A educação na Finlândia, portanto, é gratuita para todos, inclusive na universidade.

Profissão Mestre - No Brasil, existem escolas públicas e privadas, o que pode, eventualmente, reproduzir as diferenças sociais, segundo especialistas. Como o senhor observa essa questão?

Välijärvi - Há muitas pesquisas que sustentam esta afirmação e essa é uma das razões pelas quais reformamos a escola na Finlândia, nos anos 1970. Nós sabíamos, por meio de várias pesquisas, que há um impacto econômico na educação e que cidadãos de extratos sociais mais baixos teriam dificuldade em pagar os estudos de seus filhos e, assim, o sistema de educação privado acaba reproduzindo os problemas das gerações anteriores. A escola finlandesa tem como pilar a equidade entre os estudantes e não só em relação ao acesso à escolaridade, mas também na homogeneização dos resultados. Achamos fundamental que todos os alunos, mais e menos talentosos, trabalhem juntos na escola.

Profissão Mestre – Mas a Finlândia não tem os problemas sociais do Brasil.

Välijärvi - Não, mas tivemos uma sangrenta guerra civil no início do século XX e a ideia de integrar as diferenças na sociedade foi uma das razões para criarmos esse tipo de educação universal.

Profissão Mestre - Sobre a questão da igualdade, o senhor comentou que a Finlândia oferece o mesmo programa para todos os estudantes do país e, por outro lado, cada professor tem ampla autonomia em sala de aula. Como isso acontece? Välijärvi - Embora a qualidade das nossas escolas seja homogênea e o programa basicamente o mesmo, não estabelecemos um modelo rígido para os professores seguirem. Em cada sala de aula, são eles que devem decidir seus planos de ensino a partir do interesse dos estudantes. Não controlamos os docentes como fazem outros países, não temos nenhum teste nacional nas escolas, pois temos confiança de que o professor, que está em contato com os alunos, é quem sabe o que deve ser ensinado a cada momento.

Profissão Mestre – Então, a educação na Finlândia adota uma abordagem construtivista?

Välijärvi – Exatamente. Não acreditamos no modelo em que a informação deve ser trazida pelo professor para o estudante, de fora para dentro, como é o modelo tradicional. Por isso, é o professor que deve perceber os interesses dos alunos e definir os métodos e conteúdos a serem ensinados. Há um teste de comparação entre os estudantes de todo o país, mas não é obrigatório e os educadores definem como será sua aplicação.

Profissão Mestre – A Finlândia conquistou o primeiro lugar no Pisa e é um país com uma educação especialmente evoluída. Qual conselho o senhor daria para o Brasil elevar a qualidade de seu ensino?

Välijärvi - Não gosto muito de dar esse tipo de conselho porque as realidades de cada país são diferentes, mas um aspecto que considero fundamental para a qualidade de ensino na Finlândia é a decisão de dar especial atenção aos estudantes com dificuldade de aprendizagem. Como já disse, a ideia de igualdade na escola finlandesa não se limita ao acesso à educação, mas visa uniformizar os resultados dos estudantes, investindo nos mais fracos para que eles possam acompanhar os mais talentosos. Creio que essa política, embora seja oposta a de muitos países que procuram maximizar o potencial de seus melhores alunos, trouxe maior eficiência para o sistema educacional como um todo. Temos professores especializados para lidar com alunos com dificuldades e não investimos particularmente nos mais talentosos. Acreditamos que o mais importante para estes é ter liberdade para desenvolver suas habilidades. Se um jovem é muito bom em matemática, podemos incentivá-lo a usar tecnologia, por exemplo, mas ele não precisa de uma atenção tão pessoal.

Profissão Mestre – Como se dá o investimento nos estudantes mais fracos?

Välijärvi – Há um sistema de educação suplementar, com aulas uma ou duas vezes na semana para estudantes com dificuldades. O importante é que a educação especial seja integrada à educação clássica e não haja separação entre os alunos. Os grupos heterogêneos têm se mostrado muito positivos e os alunos mais talentosos servem de exemplo para os demais. Isso tem se mostrado eficiente, tanto que a taxa de repetição de ano na Finlândia é de apenas 2% dos estudantes.

Profissão Mestre – O senhor também afirma que a formação dos professores é outro fator fundamental para a excelência educacional da Finlândia. Como é esse processo?

Välijärvi – Uma decisão política que contribuiu para se garantir a elevação da qualidade dos professores foi a exigência de mestrado para ingresso na profissão, mesmo para os níveis mais básicos. Como enfatizamos a constituição de turmas heterogêneas, o professor precisa ter habilidade para lidar com essas diferenças e, portanto, precisa de uma boa formação. O curso de Pedagogia, portanto, é baseado na integração entre teoria e prática, inclui uma especialização em educação para estudantes com necessidades especiais e há, ainda, a obrigatoriedade de participação de programas de treinamento anuais. Atualmente, cada professor formado e com mestrado é obrigado a participar de pelo menos três dias por ano de treinamento. São apenas três dias e eles costumam fazer os cursos nas férias, mas é obrigatório.

Profissão Mestre – Qual é o teor básico dos cursos de Pedagogia na Finlândia, como é essa dinâmica?

Välijärvi – A formação acadêmica dos professores envolve estudos em Educação nos níveis básico, intermediário e avançado, estudo das disciplinas ministradas na escola básica e de uma disciplina ministrada na escola secundária, conhecimento de comunicação e orientação de alunos e, finalmente, alguns créditos optativos. Em todo o processo, porém, há incentivo à pesquisa e, paralelamente, todos têm formação prática.

Profissão Mestre – Um outro aspecto que chama a atenção é o status social conquistado pelo professor finlandês. O senhor disse que as pesquisas nacionais conferem a este profissional a mesma importância de médicos e advogados. O salário é condizente com essa valorização?

Välijärvi – Não. Se observarmos o status social de uma família de médicos ou advogados e outra de professores, veremos que estes vivem em um nível econômico mais baixo. Na verdade, os salários para a escola primária são bastante baixos em relação às remunerações finlandesas e os salários para a escola secundária são um pouco melhores, mas não são altos. No entanto, as pesquisas revelam que os professores são considerados tão importantes para a sociedade quanto médicos e advogados.

Profissão Mestre – Então, o que leva os finlandeses a se motivarem pela profissão?

Välijärvi – Não sei muito bem, mas o fato é que a faculdade de Pedagogia é uma das mais populares na Finlândia. Na universidade em que leciono, apenas 15% dos interessados em fazer o curso são aproveitados e isso nos permite selecionar os melhores candidatos, afinal são todos ou quase todos muito bons. Uma característica interessante é que a maioria dos candidatos a professor de escolas primárias é formada por mulheres e creio que sua motivação é poder trabalhar com crianças. Na escola secundária, a participação de homens e mulheres é mais equilibrada: nas disciplinas exatas e de ciências há mais homens e nas disciplinas de línguas há mais mulheres. Outro fator atrativo da carreira é sua estabilidade; ser professor é um trabalho para toda a vida e isso pode atrair muitas pessoas.

Profissão Mestre – Na sua opinião, qual é o grande desafio da Educação em termos mundiais? Talvez a tecnologia?

Välijärvi - A tecnologia é o desafio do mundo. Não estamos muito satisfeitos com as formas de usá-la na Finlândia e, de um modo geral, os professores são contrários ou estão pouco motivados para aplicar usos tecnológicos nas escolas. E parte disso ocorre porque a maioria dos estudantes sabe mais do que os professores sobre o assunto. Atualmente, apenas 5% dos estudantes finlandeses não gostam ou não têm acesso a computadores. Creio que é preciso encontrar um jeito de usar a tecnologia de um modo natural, como parte de todas as atividades da escola, afinal essa é uma habilidade importante para o futuro. É quase como saber ler e escrever, da mesma forma que os alunos não podem sair da escola iletrados, também não podem sair sem saber usar a tecnologia.

Entrevista divulgada na revista Profissão Mestre de fevereiro de 2010.

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